Até aquela manhã de abril, a pacata Praça Therezinha Grecchi era simplesmente um espaço agradável no bairro República, região de classe média na cidade de Vitória (ES). Algumas palmeiras e jequitibás, bancos, equipamentos de ginástica e cidadãos comuns passeando com seus filhotes. Bastou uma professora inquieta e criativa provocar o olhar de alunos curiosos e o local se tornou um território da exploração imaginativa, a fonte de matéria-prima em estado bruto para a arte. Folhas, sementes, gravetos, lascas de árvores, flores, enfim, tudo o que a natureza gentilmente descartou foi transformado em esculturas, gravuras e experimentações artísticas das mais variadas, dando origem ao projeto "Possibilidades Estéticas: Arte e natureza com Frans Krajcberg", vencedor na categoria Educação Infantil.
Simples explicar: o interesse da professora de artes, Érica Poltronieri Pereira, não cabia na sala de aula do Centro Municipal de Educação Infantil Marlene Orlande Simonetti. Então pareceu muito lógico, coerente, natural até, criar um fluxo com a praça instalada na frente da escola, afinal ali se escondia um verdadeiro tesouro de achados da natureza. O pretexto para o vaivém de alunos da Educação Infantil, carregando folhagens e pedriscos, estava nas páginas do livro “Frans Krajecberg: a obra que não queremos ver”, de Renata Santanna e Valquíria Prates. É a própria Érica quem junta os pontos que ligam praça, escola, natureza e Krajcberg: “Sempre admirei e acompanhei o trabalho deste artista, até que um dia veio a ideia de fazer um projeto inspirado em sua obra”. Além da arte, Érica queria convidar o grupo a refletir sobre a preservação do meio ambiente.
Tudo bem simples
A aproximação dos alunos com o tema se deu por meio de desenhos de observação feitos com grafite, papel e algumas folhas colhidas na praça. A trilha sonora era na medida: Canção para o tio Frans, gravada pelos personagens do Cocoricó, que contribuiu para disparar a sensibilização do grupo. “Ver as crianças produzindo arte de uma forma tão primária foi uma coisa que me tocou”, recorda a professora.
Começaram, então, as jornadas exploratórias, primeiro no pátio da própria escola, com suas castanheiras e área arenosas, depois o intercâmbio entre escola e praça. A sede por explorar mais possibilidades, permitindo uma vivência estética, levou a turma a um passeio pelo Parque Botânico Vale. Em grupo e superestimulados pela natureza, os alunos não apenas colheram mais matéria-prima como discutiram a importância da preservação da natureza.
O entusiasmo das crianças contagiou os pais. Um deles, Sr. Leandro, deparou-se com uma bráctea caída de uma palmeira ao atravessar a praça para deixar o filho na escola. Decidiu levar o achado para a classe com a certeza de que alguma finalidade artística os alunos e a professora dariam a ela. Pois a bráctea ganhou uma estrutura de cimento e depois de completamente seca foi pintada pelos alunos, tornando-se peça-símbolo de todo o projeto.
Duas vias
Depois de várias atividades com materiais retirados da natureza, Érica achou que era hora de fazer o caminho inverso. A inspiração veio de uma artista paulista que literalmente “vestia” árvores com tramas de tricô, crochê e bordados. “Pedi que as crianças tingissem barbantes com tinta de tecido e depois amarramos esses fios nos troncos das árvores em frente à escola”. O problema é que a comunidade não fez a sua parte: era por linha colorida num dia e acordar com a árvore descoberta no outro.
Mas a aguerrida professora não desistiu. Levou as linhas para uma atividade em sala de aula, envolvendo os pais dos alunos. "A maioria das famílias fez questão de participar. Por ser professora de Arte e não ficar o tempo todo com os alunos, tenho pouco contato com os pais, mas quando os encontro eles se mostram bastante felizes com os resultados das aulas. Muitos me dizem que têm os trabalhos dos filhos guardados em casa até hoje, ou então pendurados na sala, no quarto", conta Érica.
A professora acredita que as vivências ficam registradas de maneira lúdica no cognitivo dos pequenos. “O que fazemos é ajudar a formar um repertório. Pode ser que a criança não formalize de imediato, mas aquela experiência ficará marcada de forma subjetiva para sempre”, finaliza.
Por Raquel Alves
Fotos: Bruno Coelho
Saiba mais sobre o projeto assistindo ao documentário.