Boletim Arte na Escola

Carmen: “Projeto estimulou o olhar crítico nos alunos e ampliou a relação com a cidade”

No recanto escondido no interior da Bahia onde José Dionísio nasceu e se criou, estudar era algo impraticável. Ainda pequeno trabalhou no campo para garantir o sustento da família. Com pouca bagagem, muita experiência de vida e nenhum diploma, José chegou a São Paulo para tentar a sorte. Conseguiu. Mas aos 66, aposentado e com os filhos criados, José buscou numa pequena sala de aula na Vila Brasilândia, periferia de São Paulo, o que sentia que a vida lhe devia: a dignidade de trocar as digitais pela assinatura de próprio punho.

Numa experiência sensorial, os alunos se deram conta que não enxergavam o dia a dia

Assim como José, a professora Carmen Midori Namiki Onuki fez acordos com o destino até por em prática seu maior sonho. E, como muitos de seus alunos atuais, retomou os estudos na maturidade. “Só pensava em colaborar com a sociedade por meio da arte e consegui quando passei a lecionar, em 2008.” O conhecimento adquirido na graduação em Artes Visuais se mostrou mais do que apropriado para o público do CIEJA Rose Mary Frasson: adolescentes e adultos, muitos com necessidades especiais. “É bonito e gratificante perceber o brilho no olhar de quem vê novas possibilidades se abrirem”, constata a professora.

Visão ampliada
Foi a mesma sensação de novidade e de descoberta do conhecimento que Carmen trouxe para as aulas de artes com um dos projetos Apoema, palavra de origem indígena que significa “aquele que enxerga longe”. Desenvolvido pelos docentes do CIEJA Rose Mary Frasson há alguns anos, o projeto tem como subtema os diversos olhares e permite a cada estudante escolher a linguagem com a qual se sente mais confortável, como teatro e fotografia – a preferida do grupo de Carmen. “Até alunos com sérias restrições de visão se empenharam no projeto 'Apoema: olhares, fotografia', levando suas câmeras e tirando fotos”, recorda a professora.

A apresentação e a leitura de obras de artistas como os fotógrafos Sebastião Salgado, Cristiano Mascaro e Vik Muniz contribuíram para ampliar o repertório artístico e cultural do grupo. Para entender a formação da imagem na câmera fotográfica os alunos construíram até uma câmera escura, caixa de papelão encapada com tecido preto e um furo minúsculo. Após um passeio pela escola com os olhos vendados, os alunos se deram conta de que não tinham um olhar atento para a realidade: a cor da parede, a posição dos armários, a ocupação dos espaços passava despercebida no dia a dia.

Thiago (centro): 'Reconhecer a cidade por meio da fotografia garantiu a interdisciplinaridade com a Geografia'

A produção fotográfica do grupo, associada a um olhar curatorial, possibilitou a construção de álbuns coletivos como scrapbook, um painel fotográfico, mini álbuns de dobradura e diversos porta-retratos em cubos para uma instalação apresentada em um sarau no encerramento do semestre.

Perspectivas
Foi impactante para alguns alunos fotografar os arredores da escola e o centro da cidade – região que muitos só conheceram durante a proposição, impulsionada pela dedicação e apoio de Thiago de Lima Nascimento, professor de Geografia e parceiro de Carmen no CIEJA. “O que para nós é corriqueiro, para eles é uma oportunidade. Impossível não se emocionar com um jovem de 17 anos que andou de elevador pela primeira vez em uma dessas saídas”, constata Thiago.

A fotografia como linguagem expandiu o olhar crítico dos alunos e possibilitou a problematização da relação deles com o meio. “Ensinar arte para um adulto é sempre mais difícil do que para uma criança. Eles chegam à sala de aula com outras prioridades, como aprender matemática, português. Talvez o maior desafio seja fazer com que eles se sintam mais seguros, acreditem que também podem se expressar, que o que têm para falar é importante", conlui Carmen.

Por Regina Ramoska

Saiba mais sobre o projeto assistindo ao documentário.

Comentários Deixe o seu comentário

  • Lauro Hiroshi Namiki, 16:09 - 21/12/2014
    Parabéns, minha querida irmã. Mais uma realização de um sonho muito bonito de retribuir de alguma forma aos nossos queridos professores que tivemos, desde a nossa infância, que se dedicaram para criar cidadãos que pudessem contribuir com a sociedade de alguma maneira. Professores que puderam nos fazer sentir o quanto eles eram importantes para a nossa formação e a quem talvez não possamos expressar diretamente o quanto somos gratos a tudo que fizeram por nós, porém podem observar, sem que tenhamos que citar nomes, que eles foram excelentes na arte de ensinar e que, cada um dos seus alunos, da sua maneira, estão retribuindo de alguma forma a tudo o que nos ensinaram. Seu irmão que se orgulha muito de você.. Hiroshi

Deixe o seu comentário

Os campos assinalados com (*) são de preenchimento obrigatório.




Ainda nesta edição