Projeto pretende atingir mais de 5 mil crianças em 40 países
Rosiane Moro
Em algumas cidades, o ilustrador argentino Iván Kerner, o Ivanke, surge praticamente do nada. Megafone em punho, convida as crianças para desenhar em plena rua, e bastam poucos minutos para que eles tomem conta do espaço. Em outros municípios, as atividades são agendadas previamente e acontecem em escolas, hospitais, museus, centros culturais, bibliotecas e orfanatos. Independente do lugar ou suporte, o resultado surpreende: crianças pintando e desenhando em folhas de papel, papelão, paredes, pedras, pedaços de madeira, asfalto, cimento ou o que estiver pelo caminho.
Batizado de “Pequenos Grandes Mundos”, o projeto de Ivanke pretende atingir mais de 5 mil crianças em 40 países e 120 cidades espalhadas pelos cinco continentes por cerca de dois anos. Há pouco mais de um ano na estrada, o artista já percorreu países como Bolívia, Peru, Colômbia, Guatemala, México, Cuba, Estados Unidos, Japão, China, Vietnã, Laos, Tailândia, Birmânia, Indonésia e Nepal. O desejo de rodar o mundo desenhando surgiu num impulso. “Não tinha a menor ideia de como colocá-lo em prática. Com um financiamento coletivo para arrecadar verba e alguns patrocínios sai por aí. Não imaginava o que teria pela frente, mas o meu objetivo sempre foi muito claro: ser um grão de areia e usar a arte na construção de um mundo melhor. As crianças podem dizer em um desenho o que não conseguem expressar em palavras”, avalia o ilustrador. "É realmente emocionante vê-las criar. Depois que ganham confiança, coisas maravilhosas acontecem." Antes de cair na estrada, Ivanke trabalhava como designer gráfico, ilustrador de livros e revistas infantis e professor de artes.
As oficinas não seguem um roteiro predeterminado, e às vezes são acompanhadas por contação de histórias, jogos e músicas. As crianças são convidadas a fazer autorretratos e criar super-heróis usando tintas, lápis de cor e giz de cera. Em outras situações, contam suas histórias de vida e criam, com seus desenhos, um mural de sonhos. O artista gosta de adaptar o trabalho à realidade local. Em um mercado municipal da Guatemala, por exemplo, a turma transformou frutas e legumes em animais e personagens. “O espaço de convívio me aproxima muito das crianças. Jamais esquecerei, por exemplo, a experiência que tive com crianças africanas refugiadas em um templo em Israel. Pedimos para eles fazerem os desenhos e depois mostramos os trabalhos e repetimos a oficina com os familiares que estavam presos”, conta.
Outra experiência inesquecível aconteceu em Tiweno, na Amazônia Equatoriana, com crianças Waoroni. “A viagem foi extremamente cansativa. Horas dentro do ônibus, um longo percurso de canoa e mais nove horas de caminhada dentro da mata repleta de mosquitos, mas o sacrifício valeu a pena. Foi incrível ver aqueles olhinhos surpresos enquanto eu mesclava as tintas para criar novas cores”, recorda. Nessa mesma viagem, Ivanke levou um projetor e pela primeira vez os índios daquela aldeia assistiram a um desenho animado. “Crianças, seus pais e avós gargalhavam. Nesse dia tive a plena certeza de como a arte é capaz de transformar vidas.”
Mas nem só de sorrisos é feita a sua viagem – o ilustrador já presenciou realidades duríssimas. “Muitas crianças vivem em situação de violência, abuso e abandono, porém impressiona o seu instinto de sobrevivência. Vi muitas trabalhando em mercados, carregando cargas, engraxando sapatos, e mesmo assim acalentando o sonho de se tornarem professores, arquitetos, médicos. Chegam em casa tarde da noite e fazem suas tarefas com alegria, sabendo o quanto é importante estudar para ter uma vida melhor do que as dos seus pais.”
As crianças podem dizer em um desenho o que não conseguem expressar em palavras
Fruto da terra
Em sua trajetória, Ivanke percebeu o quanto a cultura local influencia o comportamento dos pequenos. A garotada da zona rural, por exemplo, é mais tímida do que as de cidades grandes. “Os cubanos são falantes e os japoneses mais disciplinados. Já os chineses são extremamente curiosos. Cada um tem a sua particularidade, mas apesar das diferenças, todos respondem da mesma forma quando são tocados pelo amor e pela arte”, reflete.
Ivanke ainda tem mais um ano de viagem pela frente. Vai visitar mais 15 países na Ásia, África e Europa. Em 2016, pretende trazer suas oficinas para o Brasil. Ainda não sabe exatamente em quais as cidades que irá trabalhar. No final do projeto, o artista pretende transformar o material coletado e a experiência de campo em um livro. As filmagens devem virar um documentário. Para acompanhar essa deliciosa aventura, acesse o site do artista.