Sylvia Bojunga
Promover a imersão das crianças em diferentes linguagens e formas de expressão além da verbal – plástica, musical, gestual e dramática –, ampliar seu repertório de experiências com manifestações artísticas e culturais, respeitando os princípios estéticos da sensibilidade, criatividade e ludicidade, incentivar o encantamento e o questionamento são alguns dos objetivos preconizados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. A realidade mostra, porém, que ainda faltam profissionais preparados para dar conta de missão tão desafiadora em grande parte das escolas brasileiras. De quem é a responsabilidade pelo ensino da arte na educação infantil e nas séries iniciais do ensino básico, do professor polivalente ou do especialista em arte?
Nesta edição, ouvimos educadoras engajadas nas reflexões e debates sobre a formação, o perfil profissional e as práticas daqueles que, efetivamente, atuam como mediadores das aprendizagens e do desenvolvimento das crianças no campo da arte nas redes escolares do país. Confira, aqui, seus diversos pontos de vista.
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Mirian Celeste Martins Doutora em Educação pela USP, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), coordenadora do Grupo de Pesquisa Arte na Pedagogia (GPAP). Arte só na aula de arte? Se for só com o especialista, a arte estaria restrita a 30/45 minutos uma ou duas vezes na semana na Educação Infantil e nos anos iniciais? Acreditando na importância das linguagens artísticas e na dimensão estética, a arte precisa estar, de fato, na escola, com especialistas ou não, como um modo propulsor da invenção, da percepção sensível, da imaginação projetante entre aprendizes e mestres. Por isso lutamos pela Arte nos cursos de Pedagogia. Não se trata de afirmar que os pedagogos têm que lecionar arte, ou substituir o professor de arte, mas sim que eles precisam conhecer arte para lecionar também outras áreas do conhecimento. O professor necessita conhecer o potencial da arte para que possa utilizá-la como contribuição interdisciplinar, conectada em projetos. O Grupo de Pesquisa Arte na Pedagogia (GPAP), que envolve professores de muitas universidades brasileiras, concluiu em sua pesquisa que há universidades que sequer oferecem a disciplina, embora ela esteja regulada pelas diretrizes. E, quando existe, quem leciona? Com a pesquisa levantamos uma série de problemas e a necessidade de discutir a real presença da arte no currículo dos cursos de Pedagogia, não para "enfeitar" ou produzir os registros ou painéis, mas como pensamento que é construído por outros meios, compreendendo-a como linguagem, impulsionando processos de criação, onde a percepção e a imaginação são iscas estéticas para as produções. Na Pedagogia, e até nos cursos específicos, vemos que ainda há muita dificuldade para compreender a potência da arte na escola. Especialistas e pedagogos, uns e outros, juntos, podem abrir horizontes educacionais e culturais e alimentar experiências estéticas na formação humana de todos os envolvidos na Educação Infantil e para os anos iniciais do Ensino Fundamental, para além da aula de arte e dos muros das escolas. |
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Rosa Iavelberg Pós-graduada em Arte-educação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, professora do Departamento de Metodologia de Ensino da Faculdade de Educação da USP, é uma das autoras dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN – na área de Artes. O pedagogo pode ministrar aulas de todas as áreas do conhecimento em creches, pré-escolas e no Ensino Fundamental 1, e tanto os PCNs como as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCNEB) e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Além disso, os pedagogos podem optar pela direção ou gestão escolar e, se tiverem fundamentação em arte, poderão colaborar apoiando e incentivando a formação continuada dos professores nas escolas. As disciplinas de Arte oferecidas nos cursos de Pedagogia precisam formar o futuro profissional para saber dar aulas de arte, conhecer arte e os processos de ensino e aprendizagem. É importante também que cada pedagogo em formação inicial possa ter experiências de criação artística para saber orientar os processos criativos dos alunos. Isto requer para a Arte uma carga didática substantiva nos cursos de Pedagogia. |
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Adelir Aparecida Quintino Zimmermann Pedagoga especializada em metodologia do ensino e em arte na educação infantil e anos iniciais, é professora na Unidade de Educação Infantil Hilário Buzzarello, em Indaial (SC), e participa do Grupo de Estudos do Polo FURB da Rede Arte na Escola, em Blumenau/SC. A questão trouxe à lembrança o poema de Cecília Meirelles “Ou isto ou aquilo”, parecendo-me um tanto radical a escolha entre o especialista e o pedagogo. Certa da igual importância de ambos e entendendo a arte na Educação Infantil como uma conexão entre a criança e tudo o quanto o mundo nos apresenta de cor, formas, sons e sensações, falar de arte significa falar de linguagens, criação, expressão e imaginação: elementos essenciais para a formação do professor de crianças. Presente no currículo da Educação Infantil, assim como a linguagem oral e escrita, a matemática, a arte, no meu entendimento, não pode ser tratada isoladamente, dentro de uma proposta gradeada, modelo no qual a experiência nos mostra as suas falhas. Acima de tudo e independentemente da formação inicial, o professor precisa ser pesquisador, um professor que faz perguntas, curioso, que registra e documenta a sua prática. É assim que nos constituímos professores por inteiro. Professores de crianças num espaço em que a vida pulsa, se movimenta. O diferencial se constituiria numa política de formação continuada dos professores onde haja diálogo, reflexões e partilha das práticas. Neste momento, sim: a presença do especialista seria fundamental e não mais precisaríamos fazer escolhas, mas usar as possibilidades de forma mais assertiva. |
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Betania Libanio Dantas de Araujo Graduada em Artes Plásticas, mestre em Artes Visuais e doutora em Educação, atua na área de Arte-educação/ilustração. Atualmente é professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Paulo. Na Educação Infantil e nas séries iniciais, a arte deve ser ministrada pelo professor de arte e pelo pedagogo (professor polivalente), ambos devem atuar conjuntamente. Na educação infantil a ação é articulada a todo momento, pois o pedagogo/professor polivalente acompanha o desenvolvimento do conceito no dia a dia das crianças. Essa prática deveria permanecer no Ensino Fundamental, mas é impossibilitada pela forma escolar e pela ditadura do livro didático que fazem sucumbir a criação pelo professor. Na Educação Infantil, o pedagogo observa a nuvem como fenômeno físico, químico, como possibilidade artística, literária, brincante, e a ausência de sirenes amplia o tempo da vivência, da pesquisa. Assim, a Educação Infantil teria o pedagogo, que propõe a arte diariamente, e o especialista, que atua como atelierista, aprofundando as expressividades artísticas. Nas séries iniciais, pedagogo e especialista trazem a arte em contextos diferentes. O pedagogo em ação transdisciplinar, desenvolvendo temas geradores conceituais, e o especialista atuando com o recorte das artes. Já no ensino superior deve ser o especialista a ministrar metodologia do ensino da arte, porém é preciso que suas vivências e formação possibilitem o encontro da arte e da educação, com percepção do currículo específico dos grupos e suas faixas etárias da educação básica. |
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Anna Rita Ferreira de Araújo Doutora em Artes pela USP, professora das disciplinas "Arte e Educação II" e "Leitura e produção de imagens artísticas nas séries iniciais" no curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da UFG, é membro do GPAP. O especialista em arte deve ser responsável pelo ensino da arte por estar, em princípio, melhor preparado. A trajetória da formação de professores de Arte no Brasil nos mostrou a ineficiência das licenciaturas polivalentes. Considerado um avanço, na minha visão, a nova LDB nº 9.394/96 alterou o termo “educação artística” para “ensino de arte”, o que conceitualmente reflete a rejeição pela formação polivalente e sinaliza para a formação nas linguagens artísticas específicas – Artes Visuais, Música, Dança e Artes Cênicas –, sendo essa uma luta histórica dos professores de Arte brasileiros. Esse aspecto vem favorecendo a criação das licenciaturas específicas, bem como programas de pós-graduação e linhas de pesquisa em ensino e aprendizagem da arte, e promovendo o fortalecimento das licenciaturas e de seus docentes nas associações nacionais de pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP), Música (ANPPOM), Dança (ANDA) e Artes Cênicas (ABRACE). Esses fatores vêm corroborando para a melhoria das práticas pedagógicas, o que faz do especialista um docente preparado para os desafios da atualidade. Consequentemente, deveria ter sua atuação assegurada na Educação Infantil e nas séries iniciais. Contudo, esbarramos aqui em uma situação crítica: no território brasileiro há significativa carência de oferta de cursos de formação de professores de Artes, principalmente no centro-norte-nordeste. Ainda são poucos os docentes habilitados atuando nas escolas de Educação Fundamental, e a carreira não se configura atraente para a maioria dos jovens brasileiros. Ter a garantia do professor habilitado em uma linguagem artística em todas as escolas é uma perspectiva possível, mas ainda distante. Contudo, entendo e defendo que a formação do pedagogo no tocante à arte, independentemente da sua atuação, é absolutamente necessária, especialmente para a ação pedagógica na educação infantil com os conteúdos e práticas da arte. Nessa fase inicial da criança, é preferível que os conhecimentos sejam trabalhados de maneira integrada. Aqui, o pedagogo é de fato o especialista, com toda a sua base formativa voltada aos estudos da infância. Nessa perspectiva, o pedagogo e o especialista em arte deveriam realizar um trabalho pedagógico em parceria nos anos iniciais. Seria esse um caminho mais seguro para um ensino de arte de qualidade. Mais que disputas, é chegada a hora de unirmos forças em prol da educação brasileira. |
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Cíntia Beatriz Machado Pereira Estudante de Artes Visuais, é professora de artes da rede municipal de ensino de Itapoá/SC e integra o Grupo de Estudos do Polo Univille da Rede Arte na Escola, em Joinville/SC.
Principalmente na educação infantil o professor regente tem uma ligação muito forte com a disciplina de arte. Nesta fase a criança se expressa através dos seus desenhos, e a maioria das atividades está ligada com o fazer artístico. Acredito que, para cada disciplina, devemos considerar a importância de um profissional apto para acompanhar as crianças na prática de suas atividades. Os professores regentes têm alguma ideia do ensino da arte, mas não estão preparados para assumir esta responsabilidade que requer conhecimento na área. Acredito que grande parte dos professores encontra dificuldade ou insegurança em trabalhar as áreas que não são de sua formação. É preciso estar bem preparado para dar boas aulas, e construir um planejamento com conteúdos significativos e com abordagens integradas em todas as áreas da Arte, porque muitos planejamentos são feitos de forma fragmentada. O professor precisa estar bem seguro e ter clareza sobre o que e como ensinar. Quando sai das universidades, a formação é insuficiente para saber como trabalhar com tanta diversidade. Ao planejar as aulas de Arte, deve pensar se o que está sendo proposto é relevante para o aluno, para sua vida e para o futuro, e ter sempre o cuidado de não utilizar métodos ultrapassados. Há professores dando aula de Arte que nunca leram um livro de arte-educação. As mudanças ocorridas a todo instante nas escolas apresentam novos desafios aos professores, exigindo cada vez mais novas habilidades e recursos. Por isso, é necessário o conhecimento adquirido na formação acadêmica e, ainda assim, buscar através de leituras, pesquisas, participação em eventos artísticos, cursos de formação continuada, uma atualização profissional e a mudança da prática docente, pois os alunos têm o direito de ter conhecimento básico das áreas artísticas de Teatro, Dança, Música e Artes Visuais. |
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Nadja Lamas Doutora em Artes Visuais pela UFRGS e pela Université Paris 1- Panthéon Sorbonne, é professora titular da Universidade da Região de Joinville, pesquisadora na área de Artes e coordenadora do Polo Arte na Escola na Univille, em Santa Catarina. A minha experiência nos grupos de estudos tem mostrado que a presença da disciplina de Arte na matriz de Pedagogia não é suficiente para o ensino da disciplina. Ela apenas sensibiliza e, quase sempre, enfatiza/ensina técnicas artísticas para sala de aula, mas não possibilita a compreensão da arte com tal. Em minha opinião, são técnicas de trabalhos manuais que recebem o nome de arte. As melhores experiências são ainda com os docentes que têm formação específica para o ensino da arte. Poucas são as exceções em que o pedagogo faz realmente um bom trabalho de arte. |