Descansando sobre sacos, 1985
Raquel Alves
Luiz Braga gosta de olhar para a floresta. Não a floresta exótica, alegórica, que vende a imagem do Brasil nos folhetos das agências de viagens, nos cartazes estereotipados de hotéis e restaurantes, mas aquela que passa, literalmente, à margem. Tem especial fascínio pela porção de urbanidade que se esparrama nas beiradas amazônicas, circundando rios, engolindo porções de igarapés, moldando periferias de cidades. Até pouco tempo, cerca de três anos, o foco preferido de suas lentes estava nos arredores de sua cidade natal, a Grande Belém, mas Luiz Braga se zangou com a violência crescente. A insegurança de andar livre pela cidade, cuja alma retratou por pelo menos três décadas, o obrigou a uma espécie de autoexílio, impondo uma trégua forçada na sua relação íntima com a capital. Seguiu para o interior do Pará sem descuidar da temática que o consagrou como um dos mais destacados fotógrafos do Brasil: o homem comum, o trabalhador ribeirinho, a lida, a graça e o ócio nas franjas da mata. Achou material farto na ilha de Marajó e em outras cidadelas ao redor. "Simplesmente não sei andar por aí rodeado de seguranças, distribuindo contratos de uso de imagem, não é meu estilo. Para mim, a fotografia sempre foi um momento de cumplicidade e nunca uma expropriação visual. Preferi voltar o foco para outros lugares, mesmo sabendo que Belém continua viva, pulsante", lamenta.
Com obras em dezenas de coleções, diversas exposições e participação na 53ª Bienal de Veneza, Luiz Braga gosta do traço humano, da cor cabocla, do facho de luz que enche de força uma cena banal. Não aprendeu com ninguém a enxergar arte onde a maioria só vê cotidiano, afinal pouco havia de fotografia naquela Belém dos anos 1950 e 1960, época da sua infância. Aos 11 anos teve sua primeira câmera e nunca mais parou de explorar a visualidade amazônica, em busca "do que está fora do olho", como ele mesmo define. Ao longo da carreira foi apurando o olhar e experimentando possibilidades de cor e luz, delimitando assim fases distintas de trabalho. Começou com o preto e branco, que era a técnica mais acessível naquele momento, passeou por diversas temperaturas de cores. Em 1975, mesmo ano em que entrou para a Universidade Federal do Pará, onde formou-se arquiteto, montou um pequeno estúdio e passou a se dedicar mais às cenas urbanas e retratos. Colaborou com vários jornais, criou o próprio tabloide, o Zepellin, e no começo dos anos 1980 voltou ao preto e branco, agora como opção estética. As cores intensas e a luz abundante marcariam seu trabalho já no início dos anos 1990, justamente quando o preto e branco eram o símbolo da fotografia artística.
Sem fazer concessões às tendências e modismos, a obra de Luiz Braga logo ganhou consistência e as melhores galerias dentro e fora do Brasil. Ele nunca parou de explorar novas possibilidades para potencializar a força de suas imagens. Como fotógrafo de seu tempo, também capta momentos com a câmera do celular e compartilha imagens no Instagram, mas nem por isso acha que as novas gerações estão mais aparelhadas. "Construir carreira é muito mais do que uma questão pontual. As novas gerações querem produzir rápido demais, sem se dar ao luxo de errar. Fotografia é um misto de corte, genialidade e oportunidade, mas exige construção. É voltar lá e insistir, cinco, 10, 30 anos", receita.
Para trabalhar com os alunos
Câmeras pinhole são o instrumento que Luiz Braga utiliza nas oficinas que ministra para as crianças da ilha de Marajó, também no Pará. Mas para o Boletim Arte na Escola o fotógrafo propõe um trabalho mais afinado com as novas tecnologias: a produção de mini-documentários individuais. Ele explica: "Pensando na definição da escritora Susan Sontag, de que 'fotografar é atribuir valor', os professores podem propor que seus alunos passem uma semana registrando com a câmera do celular coisas que ele julguem importantes no seu dia a dia. As imagens colecionadas podem ser editadas na sala de aula, com a ajuda do professor, gerando um documentário individual, com 10, 12 imagens mais representativas. É um exercício para quebrar a banalização do uso que se faz das imagens criadas com o celular, e pode gerar um conteúdo reflexivo interessante: as crianças interpretando a própria realidade. Acredito que o grande espetáculo da vida não está no carnaval, nem nas grandes celebrações. Ele se dá no cotidiano das pessoas. É treinar o olhar para as pequenas ações do dia a dia", provoca o fotógrafo paraense.
*A obra Balanço no Igarapé, série Nightvision, 2006, foi gentilmente cedida pelo fotógrafo e artista Luiz Braga para ilustrar o XVI Prêmio Arte na Escola Cidadã